quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Biografia Resumida de Raimundo Rodrigues Neves



Se fosse eu quem governasse

As faunas florestais

Acabava com as gaiolas

Armas já não tinham mais

Vivia os pássaros nas árvores

Nas campinas, os animais

Cantava todos os viventes

Ao levar onipotente

Seus hinos independentes

Com os ritmos naturais.



(Raimundo Rodrigues Neves)





Raimundo Rodrigues Neves nasceu no povoado de Boa Vista de Ibititá, a 4 km da sede do município, e a 504 km de Salvador, capital do seu Estado natal. Vindo de família humilde, era o terceiro dos sete filhos dos agricultores Gabriel José Rodrigues e Adolfina Rosa Lima. De corpo franzino, sua infância foi marcada por problemas de saúde e, contraditoriamente, por muitas travessuras e isolamento; depois de fazer alguma “traquinagem”, e para fugir das surras do pai, ele corria ora para a mata, onde costumava passar a noite sozinho, (era uma criança destemida, não tinha medo de assombração e nem de brigar com outras crianças) ou se abrigava na casa de seu tio e padrinho Vicente, morador do povoado de Lajedão, distante 6 km da Boa Vista.



Essas fugas lhe renderam dois títulos; o de bom caçador, uma vez que isolado e com fome, teve que aprender a caçar sem armas e sem a ajuda de cães; o outro, foi o de exímio carreiro , ofício que aprendeu na companhia do padrinho Vicente. Com estas habilidades, levou uma vida quase nômade, morando em diversos povoados de Ibititá; além de Boa Vista e Lajedão, morou também nos povoados de Serafim, Fazendinha, Recife do Lino e em Lagoa dos Patos, município de Lapão.



Na infância chegou a ser matriculado numa escola, onde as meninas limpavam a sala de aula, os meninos carregavam a água para colocar no pote de barro, e ambos tinham que trazer os seus assentos. Com o tipo de vida que levava, freqüentou muito pouco a escola, aprendendo uma leitura rudimentar. Ainda muito cedo, passou a ingerir bebidas alcoólicas, o que favoreceu ainda mais seu envolvimento em confusões; irreverente social, não ligava para as aparências, especialmente a sua. Casou-se aos vinte e três anos com Valdelice Sena, com quem teve treze filhos. A perda de entes queridos trouxe um sentimento de dor que o acompanhou por toda a vida – morreram dois filhos quando bebês, a esposa querida em 2002, mais dois filhos em 2006, esses últimos num intervalo de vinte e seis dias.



A sensibilidade, aguçada com o sofrimento, pode se expressar de várias formas; com Raimundinho, a poesia foi a via encontrada. Aos quarenta e quatro anos de idade, ele “escreve” o seu primeiro poema; semi-analfabeto, criava e memorizava-os; o que existe escrito hoje, foi ditado por ele. Inicialmente, encantou-se com a poesia de Olavo Bilac; porém, foi em Castro Alves que encontrou sua real inspiração; percebe-se, em sua poesia, uma ânsia por liberdade, a construção rica das rimas e o tamanho dos seus poemas, reflexos diretos da sua grande admiração por aquele poeta. A característica mais marcante de sua poesia, no entanto, é seu amor pela natureza; daí ele ser conhecido como o poeta ecológico.



Como todo artista, o poeta também tinha as suas excentricidades: gostava do isolamento e, sempre que possível, procurava refugiar-se com a natureza, sua maior fonte de inspiração. Ele construiu um rancho de taipa no quintal da sua casa e, quando não era possível se isolar na caatinga, ele “fugia” para o rancho. Era comum ver Raimundo contemplando uma árvore, um pássaro ou o céu, o que gerava comentários tipo: “É pura inspiração..”., ou “É loucura...”, comentários esses que não incomodavam o poeta.



Além de trabalhar como agricultor e carreiro, no seu currículo consta uma habilidade muito grande para lidar com explosivos, ao abrir cisternas, ele era o homem que dava os tiros nas pedras que obstruíam o caminho. Também era responsável pela distribuição de água para o povoado de Boa Vista – ligava e desligava a bomba d’água do poço. Trabalhou como técnico de futebol da seleção do povoado, depois de tentar uma carreira sem sucesso como jogador, tinha pouca habilidade, mas, era “oportunista” – surgindo a oportunidade, fazia gols.



Encantado com crianças, Raimundinho tinha fama de “farturento”: ao ganhar uma quantidade razoável de dinheiro, ele costumava comprar muita comida, convidar as crianças do povoado e os amigos para comer com ele; dizem que, enquanto tivesse comida, a farra não acabava, era um verdadeiro sarau de poesia, onde ele recitava e incitava as crianças a fazerem o mesmo. Certa vez, ele comprou cinco melancias grandes, fretou um carro para transportá-las, num valor três vezes superior ao das melancias; chegando em casa, chamou a criançada e partiu todas de uma vez: foi o happy hour da melancia com poesia.



O poeta, no final de sua vida, foi convidado para participar de muitos eventos, em escolas como as de Lajedão, Boa Vista, Feira Nova e sede do município entre outras; se apresentou também em gincanas realizadas na cidade e na FACI – Faculdade de Ibititá, programa da rede UNEB 2000. Ele sempre expressou seu desejo de ver publicados os seus poemas, sonho que não se concretizou, apesar de existir alguns projetos neste sentido.



A saúde dele era precária, e em agosto de 2008, faleceu com bronquite asmática, cirrose e câncer generalizado; o sepultamento aconteceu num fim de tarde, sem pompa, com a presença de familiares e alguns amigos. Ato simples, quase anônimo, como o próprio poeta.